27.3.06


Não sei mesmo, mais um fim de semana agarrada a esta coisa de escrita digital, mas nada de prazenteiro.
Escrever por obrigação (mesmo quando é aceite por nós) sem ter o 'tempo' de que sentimos necessidade para que as ideias sejam 'cozinhadas' em fogo lento como na cozinha slow food (que é assim que se conseguem os melhores paladares), é sempre sentido como uma agressão por mim. E este foi mais um fim de semana desses, muito anti-natura, por isso, muito neura e pouco produtivo.
Apeteceu-me voltar ao livro Ébano - Febre africana, e reler o modo como ele explicava a distinção de percepção do tempo entre os europeus e os africanos.
Aqui vai:
"Os europeus e os africanos têm noções de tempo completamente distintas. A percepção que têm do tempo é diferente, como é diferente a relação que com ele mantêm. O europeu está convencido de que o tempo tem uma existência exterior a ele próprio, uma existência objectiva e com uma natureza mensurável e linear. Para Newton o tempo era absoluto: «O tempo absoluto, real e matemático flui em si e na sua natureza uniformemente, sem relação com nada que lhe seja expterior...» O europeu vê-se a si próprio como escravo do tempo, está dependente dele, é-lhe submisso. Para poder existir e funcionar... tem de respeitar prazos, datas dias e horas. .. Entre o homem e o tempo paira um conflito irresolúvel, que termina sempre com a derrota do homem - o tempo destroi-o.
O tempo torna-se perceptível como consequência das nossas acções e desaparece quando deixamos de fazer alguma coisa ou não fazemos absolutamente nada. O tempo é uma matéria, que pode, sob influência nossa, ser constantemente animada de vida, que mergulha, contudo, num estado de sono profundo ou de não-existência, mal abdicamos da nossa energia. O tempo é uma categoria passiva e, acima de tudo, dependente do homem.
Uma inversão completa do problema europeu.
Passando da teoria à prática: quando chegamos a uma aldeia, na qual vai haver uma reunião durante a tarde, e não encontramos ninguém no local do encontro, não vale a pena perguntar: «Quando é que a reunião começa?» A resposta é pois, já sobejamente conhecida: «Quando todos estiverem presentes»...
... Algures neste mundo circula e flui uma energia misteriosa, que, quando se aproxima de nós e nos preenche, nos dá força suficiente para colocar o tempo em movimento - há algo que se inicia." (pg. 24)

E esta releitura, de facto, re-situou-me no meu tempo de Cabo Verde e ajudou a pacificar-me com a minha situação, aqui e agora, de europeia... obrigada amigos de Cabo Verde...

1 comentário:

jfm disse...

De novo a questão do tempo. Fascinante esta forma como o tempo faz parte de nós e nos faz também. E como imergimos e vamos no tempo, no nosso tempo, na corrida louca do tempo social em que vivemos.